Foto: Henrik Voss
*Texto: Kariana Ferreira Dos Santos, Laura Andrade Souza, Letícia Santos De Jesus e Rafaela Da Silva Araujo
Moradora do bairro Itararé há mais de 30 anos, ela permanece como um símbolo de perseverança e amor comunitário

Aos 84 anos, Luiza Sousa, moradora de Itararé, carrega uma história marcada por superações e desafios. Nascida em Alegre, no interior do Estado, ela cresceu na roça, na Barra de São Francisco, onde passou boa parte de sua vida antes de se mudar para a capital. Com um percurso de vida entre o campo e a cidade, Luiza traz em sua trajetória uma riqueza de memórias de lutas e de perdas.
Na roça, Luiza viveu uma infância difícil, em um ambiente simples, com seus pais e irmãos. Aos 27 anos, quando já estava casada há pouco mais de um ano, ela e seu esposo se mudaram para Vitória. Com o tempo, vieram também seus irmãos e alguns parentes.

Quando Luiza chegou em Itararé, tudo ainda era “mato”, não existia pracinha, nem muitos comércios, e até saneamento básico faltava. Por conta disso, os moradores utilizavam pontes de madeira para atravessar os cursos d’água e chegar às suas casas. “Quando eu cheguei aqui, não tinha nada, tudo era mato, tinha muitos pontos de água e as pessoas usavam ponte de madeira para andar”, relembra Luiza.
Hoje, ela mora em um lar confortável e acolhedor, mas a realidade antes disso era bem diferente. Até chegar à sua casa atual, morou em outras duas, logo quando chegou. Sua primeira casa era no alto do morro.
Casamento e as dores da maternidade
Luiza casou-se em Monte Senir, ainda quando morava na roça. Foram 14 anos de casamento, durante os quais ela teve quatro filhos. Uma criança morreu logo após o nascimento, uma tragédia que marcou profundamente a vida dela. Depois, o terceiro filho, que nasceu com um problema na cabeça, faleceu aos três anos de idade. “Eu não sei o que ele tinha, mas acredito que foi alguma coisa no cérebro”, lamenta Luiza. Restaram suas duas meninas, Sirlene e Sirley.
Infelizmente, quando Sirley tinha 18 anos, também faleceu, vítima de complicações de saúde. A perda da filha foi um dos golpes mais duros da vida de Luiza, mas ela encontrou forças para seguir em frente.
Além das perdas dos filhos, Luiza também enfrentou a separação de seu marido, após 14 anos de casamento. Ele foi embora para São Mateus, onde trabalhou como mestre de obras e formou outra família. Sozinha, Luiza teve que sustentar a casa e criar a filha. Ela encontrou trabalho como doméstica, onde atuou por 14 anos.
Durante essa fase, uma nova figura entrou em sua vida: Lorena, uma menina que Luiza passou a cuidar após sua mãe biológica, uma mulher viciada, ter oferecido a criança para adoção. “Quando minha filha morreu, eu sonhei que estava ganhando uma criança. Cinco meses depois, a mãe biológica apareceu com a Lorena”, conta Luiza, acrescentando que a menina estava passando por situação de vulnerabilidade.
Sua contribuição e vida na comunidade

Apesar de todas as adversidades, Luiza nunca perdeu sua ligação com a comunidade. Ela é conhecida por conversar com todos na rua, sempre atenta às necessidades de quem vive ao seu redor. Ela mantém uma relação tranquila com seus vizinhos, adora conversar e é muito querida por todos.
Todo seu cuidado e carinho com a comunidade também foram passados para sua filha Sirlene. A filha de Luiza conta que tem um carinho especial pela área da saúde. Para ela, garantir que a saúde esteja em boas condições é fundamental para o bem-estar de todos. “Eu gosto de estar presente na minha comunidade, na área da saúde. Acho que saúde é essencial”, afirma Sirlene Santos.
Além do cuidado com a comunidade, Luiza também mantém uma relação tranquila com seus vizinhos, adora conversar e é muito querida por todos. Sempre é lembrada por onde passa e conhece quase todos os moradores.
Aos 84 anos, ela continua ativa e saudável. Seus irmãos, embora distantes, ainda mantêm contato, sempre que possível, através de telefonemas. Luiza segue com a força que sempre a acompanhou ao longo dos anos. Sua história é um retrato da resiliência de uma mulher que, mesmo diante de tantas perdas, manteve a dignidade e o amor pela vida.
O legado e as histórias de Luiza que são passadas para seu neto

Com anos de vivência em Itararé, Luiza é bem mais que uma moradora. “Minha avó conhece a todos por aqui. Sabe quem mora há mais de 30 anos e conhece cada rua, cada casa, como se fossem parte de sua própria história”, diz seu neto, Lucas Santos.
Uma das lembranças mais curiosas que ele compartilha é sobre um episódio de 2002. “Minha avó ficou famosa por um mal-entendido engraçado: foi confundida com a irmã do Zagallo, o ex-técnico da seleção brasileira”, ele recorda. “Era só ela sair na rua que todo mundo comentava: ‘Olha lá, a irmã do Zagallo!’ É uma memória que ainda nos faz rir toda vez que lembramos”, afirma Lucas.
A fama inesperada foi apenas um dos muitos momentos que a tornaram uma figura emblemática no bairro. Sua ligação com a comunidade remonta aos tempos em que ajudava na igreja local, uma pequena Assembleia que foi a única igreja evangélica em Itararé por décadas. Seu ex-marido era um dos pilares dessa igreja, servindo como diácono e contribuindo para a união da comunidade.
“É curioso como minha avó sabe de todos, mesmo aqueles que minha mãe e eu não conhecemos. Às vezes, acontece de falecer alguém que a gente nunca ouviu falar, mas minha avó sempre sabe quem é e sua história”, ele diz, destacando o conhecimento e a conexão profunda que Luiza tem com o bairro.
Essa intimidade com o entorno faz de Luiza uma verdadeira enciclopédia viva de Itararé. Sua presença inspira respeito e uma sensação de continuidade, como se sua história estivesse entrelaçada com as memórias de todos que cruzaram seu caminho. Seja nas conversas na calçada ou nos encontros em datas especiais, ela permanece como um símbolo de perseverança e amor comunitário.
Matéria: *Kariana Ferreira Dos Santos, Laura Andrade Souza, Letícia Santos De Jesus e Rafaela Da Silva Araujo são alunas do curso de Jornalismo da FAESA, sob supervisão da professora de Projeto Integrador V (2024/2), Lara Rosado.
O jornal comunitário Calango Notícias, projeto da Varal, propôs a pauta de memória, que foi abraçada por alunos universitários do curso de Jornalismo da FAESA em um trabalho que uniu forças com a produção da 2ª Edição do Fotografia em Movimento, que é uma iniciativa do Ponto de Cultura Varal Agência de Comunicação/Ateliê de Ideias, com recursos do Edital de Premiação Cultura Viva Sérgio Mamberti – SCDC (@minc). Na 2ª Edição do Fotografia em Movimento, as aulas de Fotografia Documental foram ministradas por Ana Luzes e de Fotojornalismo por Zanete Dadalto.
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