A proposta do Calango Notícias sempre foi divulgar as histórias de iniciativas de moradores e potencialidades do Território do Bem. Isso porque sempre ficou claro, para aqueles moradores que idealizaram este projeto de comunicação comunitária, que as notícias ruins, especialmente sobre violência, já tinham ampla cobertura da imprensa em geral, aquelas feitas pelas grandes corporações de comunicação do nosso Estado. Mesmo sendo triste para os moradores a forma de apuração das notícias, que prioriza frequentemente a fala dos agentes de Segurança Pública do Estado como principal fonte de informações.
Mas, pela segunda vez em pouco tempo, o Calango Notícias abre espaço para uma pauta que escapa de seu objetivo inicial. E isso para que os dois lados da história sejam contados e denunciar que as abordagens hostis e violentas de policiais sem identificação nas fardas estão se tornando rotina e gerando clima de insegurança durante as operações no Território. Diante disso, moradores se expõem e recorrem à filmagem como uma forma de autodefesa e denúncia.
Dos fatos
No último dia 24 de outubro, por volta das 21h, a Polícia Militar do Espírito Santo realizou mais uma operação no Território do Bem. Na ocasião, o jovem morador Luís Adriano Rodrigues, de 25 anos, que tem alcançado número expressivos de seguidores nas Redes Sociais por denunciar os excessos e violações de direitos humanos praticados nas abordagens policiais, questionou os policiais por estarem sem identificação nas fardas, o que resultou em sua prisão alegada por desacato à autoridade.
Ao ser preso, o jovem gritou por sua tia, a defensora dos Direitos Humanos Marly Rodrigues que atua como coordenadora geral do Centro de Referência da Juventude, equipamento do Governo do Estado. Ela e outros moradores questionaram os policiais pedindo explicações sobre a prisão do jovem, e os policiais revidaram com balas de borrachas, dessas 4 atingiram a Marly.
Segundo Nota de Repúdio publicada pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH-ES), ao dirigir-se a delegacia para saber informações sobre a prisão do sobrinho, foi dada voz de prisão à Marly por desacato, enquanto seu sobrinho ficou por 6 horas dentro do camburão e os advogados foram impedidos de aproximar-se, cerceando o direito do jovem de ter um atendimento jurídico.
O acontecimento comoveu e mobilizou familiares das vítimas, moradores do Território, jovens militantes dos direitos humanos, integrantes do Fórum de Juventudes do Território do Bem e do Coletivo Beco que passaram a madrugada na delegacia junto às autoridades presentes no local como a deputada estadual Iriny Lopes e o vereador de Vitória, André Moreira, além de ativistas dos Direitos Humanos.
“Para a surpresa de todos que estavam na delegacia, só com a chegada da Secretaria Estadual de Direitos Humanos e com muita insistência e diálogos institucionais, conseguiram falar com o jovem e descobrir que outra jovem mulher também havia sido apreendida. Somente depois de passarem por muito constrangimento, de longa negociação institucional e de ações jurídicas foram ouvidos e liberados no dia seguinte”, relata a nota do CEDH-ES.
Segundo Josi Santos, uma das advogadas que atuou no caso, Marly Rodrigues, depois de ser detida de forma arbitraria, ter ficado algemada e recolhida na delegacia, foi liberada. Já Luís Adriano e a Alana Pereira assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados, sem pagamento de fiança e estão aguardando a audiência. Todos foram encaminhados, após liberação, para realizar exame de corpo delito.
Das manifestações
Uma nota de repúdio escrita por movimentos sociais das comunidades do Território do Bem, publicada na página do Fórum de Juventudes do Território do Bem – FJTB e na página do Coletivo Pedalamente está circulando pelas redes sociais para colher assinaturas e enviar ao Governo do Estado para cobrar providências. “No Território do Bem, onde o estado se diz presente via política pública para as juventudes, é o mesmo lugar onde esse mesmo estado não mede esforços para exterminar a população que ali reside, seja ameaçando e humilhando e até mesmo tirando a vida dessas pessoas. Repudiamos toda essa situação ocorrida no dia de ontem com muita tristeza e com sede de justiça, exigimos um diálogo urgente com o governador Renato Casagrande para que essa situação não passe, como tantas outras, impune”
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Por vídeo, publicado na sexta-feira (25/10), a Secretária Estadual de Direito Humanos, Nara Borgo, informou que, por volta de 22 horas do dia 24 de outubro, foi acionada por advogados e moradores do Território. Ela registrou a injusta prisão da coordenadora do Centro de Referência da Juventude. Segundo ela, acompanhou o caso presencialmente na delegacia até 3h do dia 25 de outubro e fez todo o possível para assegurar o acesso dos moradores detidos aos advogados.
O Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo (CEDH-ES) manifestou repúdio à violência praticada pelo Governo do Estado, através da Polícia Militar, contra moradores do Bairro São Benedito, em Vitória, durante uma operação em 24 de outubro de 2024. O Conselho denuncia a violência institucional contínua e injustificada contra as populações vulneráveis, considerando essa prática racista e criminalizadora. Em resposta, exige ações do Governo Estadual, como retratação às vítimas, suspensão de práticas repressivas e o uso de câmeras corporais pelas forças de segurança. Além disso, o conselho apela por uma investigação independente para garantir a legalidade das ações policiais. Por fim, o CEDH-ES reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e condena veementemente as violações à dignidade humana.
A deputada estadual Camila Valadão, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, se manifestou por vídeo no seu canal do Instagram. Segundo ela, “o Território do Bem não aguenta mais! Desde ontem, estamos acompanhando e atuando nas prisões arbitrárias realizadas no Território”, escreveu em nota.
Também o Instituto Conexão Perifa e o Coletivo Beco publicaram nota no Instagram. O texto expressa solidariedade às vítimas de violência policial e denuncia o tratamento negligente dos conhecidos moradores, que defendem os direitos humanos na periferia. O documento critica a falta de ação do Governo Estadual e destaca a importância de mobilizar a comunidade para transformar a hostilidade em oportunidade de união e avanço na luta pelos direitos das favelas.
A Associação Onze8, um coletivo de arquitetos que defendem e promovem o direito à habitação, também divulgou nota em que contam outros casos ocorridos no Território do Bem, onde também atuam, e destacam a necessidade de haver escuta dos moradores. “Em nossas atividades de levantamento no Território, não são raras as casas visitadas em que a fechadura está danificada. Perguntamos sempre o houve e a resposta é recorrente: ação da polícia. Trata-se de senhoras que cuidam de seus netos, mães solo que trabalham fora o dia inteiro – não observamos nada que justifique os arrombamentos”, diz a nota.
Instituto Quadro de Esperança, que atua no bairro Morro do Quadro em Vitória, também expressou solidariedade aos moradores que sofreram a ação da Polícia Militar, vítimas de violência desnecessária. No Instagram, eles ressaltam que a brutalidade com que as forças de segurança atuam precisa ser interrompida. “Queremos expressar nossa profunda solidariedade à companheira Marly e ao seu sobrinho, que foram vítimas de violência desnecessária. Ninguém deveria passar por isso. Estamos juntos nessa luta, buscando um futuro onde a justiça e a proteção prevaleçam, e onde a violência policial não tenha mais espaço”, traz a nota.
A Associação Ateliê de Ideias também registrou repúdio às abordagens violentas e a quaisquer violações aos direitos humanos. Sobretudo, a injustificável prisão da coordenadora do Centro de Referência da Juventude, equipamento do Estrado em que a associação faz a gestão. “Tão logo soubemos do ocorrido, tomamos as medidas institucionais cabíveis, no que pudemos contar com o apoio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, na figura da secretária Nara Borgo, que esteve conosco acompanhando todo o caso. Seguimos atentos aos desdobramentos legais ao lado da organizada e expressiva mobilização popular gerada em resposta a esses últimos acontecimentos”, conta a nota.
Com pedido de Justiça, o Coletivo Favela em Foco publicou Nota de Repudio descrevendo o acontecimento da madrugada do dia 25 e questionando “que tipo de operação policial é essa, onde os policiais não se identificam, e, ao invés de proteger, agem com tamanha truculência contra ativistas e líderes da própria comunidade?”. A nota, também, questiona o atual papel do Fórum Estadual de Juventude Negras – FEJUNES, e termina exigindo que o governador Renato Casagrande ouça os movimentos sociais e se posicione sobre as politicas de Segurança Publica.
O Fórum de Juventudes do Território do Bem – FJTB, também exige explicações do governador Renato Casagrande. Em Carta Aberta ao Governador do Estado, publicada no dia 31 de outubro, o Fórum expressa sua “profunda indignação e revolta diante dos episódios recentes de violência e ameaças que acometem nossas comunidades, especialmente após a injusta prisão de duas pessoas ligadas a causas sociais e à luta por direitos humanos. Estes, que tanto inspiram e orientam os jovens em um cenário de abandono e insegurança, são exemplos de resistência e coragem. Tais episódios abrem uma ferida profunda na comunidade, que vive há tempos em estado de alerta, temendo pela integridade e pelos direitos fundamentais à vida e à dignidade”. A carta finaliza solicitando que seja marcada “uma reunião urgente com o governador para um diálogo aberto e construtivo sobre a violência que afeta nossos territórios”.
O outro lado
As Assessorias de Imprensa da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) e do governador do Estado, Renato Casagrande, foram procuradas para comentar o ocorrido.
A Assessoria de Imprensa da Sesp respondeu: “O Governo do Estado já se manifestou, via comandante-geral da PM, um dia após o fato. Não temos interesse em retomar o assunto”.
A Assessoria do governador Renato Casagrande não respondeu as mensagens enviadas solicitando posição sobre o caso.
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