Foto: Thais Gobbo
Em 2024, as eleições municipais representam uma oportunidade crucial para reavaliar os cuidados com a população, sobretudo em relação ao acesso democrático à cidade e à moradia adequada. Historicamente, as periferias têm sido negligenciadas, vistas apenas como fontes de problemas a serem adiados. No entanto, essas áreas abrigam uma parcela significativa do eleitorado, que demanda maior atenção por parte dos candidatos.
Uma carta aberta com diretrizes foi elaborada, destacando a necessidade de investir em políticas habitacionais e sociais que priorizem as populações vulneráveis, aproximando o poder público das comunidades e promovendo transformações urbanas que tornem as cidades mais inclusivas e equitativas. A iniciativa começou em Vitória, com propostas específicas para a capital, mas que também podem ser adaptadas por outros municípios do Estado tratando de habitação, participação popular, segurança, saúde, mobilidade, infraestrutura e urbanização de favelas, preservação do meio ambiente, economia solidária, legislação e outras áreas que impactam toda a população capixaba, tanto na capital como nos demais municípios.
Abaixo, leia a Carta na integra. 👇
CARTA AOS CANDIDATOS A PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADOR E ELEITORES NOS MUNICÍPIOS CAPIXABAS PARA AS ELEIÇÕES DE 2024
O atual momento político representa uma chance de reestruturar os cuidados com a nossa população. Uma nova estrutura visando a democratização do acesso à cidade e à moradia adequada para todos seus residentes, especialmente para a população mais pobre e historicamente apartada de seus direitos.
Cientes do tratamento habitual destinado às periferias, muitas vezes vistas apenas como dotadas de problemas a serem ignorados e adiados, ainda que sua população represente uma grande porção do eleitorado. Por estes territórios não receberem a devida atenção para que seus potenciais sejam valorizados e os problemas que enfrentam sejam pautados em programas e ações da agenda política, decidimos escrever esta série de diretrizes aos candidatos às eleições municipais de 2024.
Acreditamos que para alcançar cidades mais saudáveis, equitativas e sustentáveis seja necessário investir nas pessoas e nos territórios mais vulnerabilizados dos nossos municípios para tratar, proteger e qualificar ambientalmente nossas comunidades. Aproximar o poder público das comunidades, firmando compromissos desde o momento eleitoral, tem a potência de gerar positivas transformações urbanas e culturais, culminando em cidades mais justas e inclusivas.
Iniciamos nossas ações no município de Vitória e, por conta de uma maior permeabilidade às comunidades locais, este é o território onde conseguimos realizar um diagnóstico mais preciso. Por este motivo, uma parte das diretrizes estará vinculada à capital. Reconhecemos suas limitações físico-territoriais, bem como a competência do corpo técnico de servidores em elaborar programas habitacionais e de requalificação urbana. De forma que, nossas propostas não pretendem esgotar todas as possibilidades e demandas, mas sim qualificar o debate a partir da perspectiva de uma associação capixaba que atua com pauta na habitação.
Afirmamos pluralidade destas diretrizes. Considerando a centralidade do município de Vitória na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), se faz imperativo buscar soluções criativas para habitação, participação popular, segurança, saúde, mobilidade, infraestrutura e urbanização de favelas, preservação do meio ambiente, economia solidária, legislação e outras áreas que impactam toda a população capixaba, tanto na capital como nos demais municípios. Sendo assim, entendemos que este conjunto de diretrizes poderá ser pautado por todos os municípios da RMGV apontando suas especificidades ao ser revisado.
HABITAÇÃO
- Elaborar e Implementar Planos Habitacionais Municipais – nos municípios onde não houver – e Revisar e/ou Reformular Planos Habitacionais nos municípios onde já existam, dando especial atenção à revisão de leis e decretos para que os Planos obtenham sucesso em sua implementação. Imprescindível a participação popular em tal processo, em que pese a necessidade de implantar – onde não exista – ou reativar / consolidar os Conselhos Municipais de Habitação de Interesse Social (CMHIS). No caso específico de Vitória, estudar a fundo os ganhos socialmente reconhecidos no Projeto Terra e Projeto Terra Mais Igual, buscando, concomitantemente, realizar os ajustes e atualizações necessárias.
- Atualizar e regulamentar a legislação municipal referente à Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), considerando também a saúde ambiental e a urbanização das periferias.
-
Implementação de escritórios regionais como parte integrante da política habitacional municipal. Os mesmos devem estar distribuídos estrategicamente no município para atender às favelas, comunidades periféricas e bairros com maiores índices de vulnerabilização social, ambiental e econômica. É de suma importância negritar que o escritório necessita ser estabelecido por meio de uma equipe transdisciplinar, composta por Arquitetos Urbanistas, Assistentes Sociais, Engenheiros Civis, Geógrafos e Advogados, e apta para o pleno diálogo com a população local.
- Recriação da SEHAB como secretaria municipal, no caso de Vitória, e criação de secretarias específicas para esta pasta, nos municípios onde ainda não funcione como secretaria autônoma.
- Automatizar o sistema de comunicação entre a Defesa Civil e as secretarias responsáveis pela inclusão de famílias nos programas habitacionais, evitando desvios entre quem necessita de ações imediatas e as políticas municipais.
- Desenvolver e ampliar ações de habitação de interesse social (HIS) específicas para a população em situação de rua, população preta, parda e indígena, mulheres, população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência ou condições de saúde que sejam restritivas. Adicionar peso prioritário para esses grupos no acesso a benefícios de habitação pelo cruzamento destas informações com as do Cadastro Único (CADúnico). Não restringir o acesso a direitos fundamentais apenas a cadastros que possuam endereço fixo.
PARTICIPAÇÃO POPULAR
7. Retomar, atualizar e fortalecer as políticas municipais de participação popular, sejam do orçamento participativo até a premiação de iniciativas comunitárias e periféricas;
8. É de suma importância que a composição das equipes de atuação em projetos para territórios periféricos inclua profissionais naturais e/ou residentes desses mesmos territórios.
9. Tornar pública a lista de espera municipal por programas habitacionais, respeitando os dados privados das famílias, porém permitindo o controle popular no setor. Também tornar público o sistema de hierarquização aplicado nesta lista: tempo de espera, natureza do programa, número de membros da família etc.
SEGURANÇA
10. Implementar o Plano Municipal de Mitigação e Prevenção de Risco, direcionando atenção especial aos territórios mais vulnerabilizados socioambientalmente.
11. Aprimorar o Plano Municipal de Combate aos Desastres Climáticos, também direcionando especial atenção a estes territórios, e incluir protocolos de resposta a eventos climáticos extremos adequados à realidade das comunidades com gerenciamento de ameaças, gerenciamento de vulnerabilidades, gerenciamento de emergência ou resposta imediata (durante o desastre) e, finalmente, gestão de reabilitação e de reconstrução (pós desastre).
12. Promover o Enfrentamento do Controle Armado dos Territórios Populares e criar estratégias de redução na expansão dos grupos criminais armados (facções do tráfico de drogas e grupos de milícias) através de levantamento de informações e diagnósticos; atendimento à juventude com equipamentos de interesse e ações focadas na autoestima e promoção de direitos e prestação integral de serviços urbanos nos territórios pelo poder público. Frear o Extermínio e encarceramento da Juventude Negra.
SAÚDE
13. Entender a qualidade da moradia como um elemento inseparável da saúde pública, capacitando os agentes de saúde para observarem os aspectos físicos dos imóveis e tornando a Rede Bem Estar (ou politicas públicas similares) também uma ferramenta de trabalho dos projetos habitacionais municipais. Dada a solidez dos equipamentos de saúde, sua diversidade de profissionais e a permeabilidade nos territórios, se faz necessário e já é documentado como eficiente vincular as pastas de habitação e saúde.
MOBILIDADE
14. Qualificar o aplicativo “Ônibus GV” de modo a também incluir as linhas com integração e indicar as mudanças temporárias de rota dos coletivos, algo que beneficiará toda a cidade, mas especialmente as periferias que possuem acesso limitado a linhas de ônibus ou problemas recorrentes com interdição de ruas ou interrupção do serviço.
15. Aplicar também nos bairros periféricos projetos municipais de requalificação urbana dimensionada para a segurança do cidadão e qualificação da experiência do pedestre, como as “zonas trinta”, as ruas de pedestre, redutores físicos de velocidade e medidas moderadoras do tráfego (deflexões verticais e horizontais na pista, rotatórias, redução do raio de giro, a regulamentação de prioridades, as marcas viárias, largura ótica, estreitamento de pista, faixas de alinhamento, superfícies diferenciadas, entradas e portais, ilhas centrais, qualificação de calçadas, mobiliário e iluminação e por fim medidas de paisagismo). Em tais intervenções, para além do investimento nas obras físicas, será primordial um trabalho de comunicação comunitária, reeducação e mudança de paradigmas.
16. Estudar e compreender as especificidades dos bairros em morros da cidade, pensando em soluções de mobilidade e infraestrutura mais adequadas às realidades locais, como por exemplo, equipamento de urbanos para vencer planos elevados, elevadores públicos e a construção e manutenção de bicicletários públicos nos “pés dos morros”, nos quais residentes das porções mais altas poderão deixar suas bicicletas em segurança e obter mais conforto na opção por este modal em seu cotidiano.
INFRAESTRUTURA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS
17. Fornecimento de água potável , tratada, com pressão e volume adequados a todas as famílias do território. As interrupções de abastecimento, recorrentes nos territórios, são inadmissíveis e este problema não poderá mais ser adiado, sendo proposta uma coalizão entre todas esferas de poder para solucionar esta grave violação de direitos.
18. Consolidar a infraestrutura urbana das periferias e territórios populares com universalização do saneamento, da drenagem de águas pluviais, da regularização do abastecimento de água; a implantação de parques públicos; a implementação de ações e obras para a prevenção dos desastres. Entender a infraestrutura urbana ampliada com a provisão de uma rede pública de equipamentos de qualidade arquitetônica, que agreguem os serviços de educação em tempo integral, cultura, esporte e lazer, além de creches e outros serviços de necessidade comunitária.
19. Promover o Restaurante Popular como política pública irrevogável ao entender este equipamento como forma de garantir alimentação acessível à população de baixa renda, à população flutuante dentro da região metropolitana e à população em situação de rua.
20. Compreender as especificidades dos bairros autoconstruídos, ao submeter e adaptar os conhecimentos técnicos à realidade concreta existente dos serviços urbanos, como exemplo, a densidade flutuante com tendência de crescimento, as ligações irregulares (muitas vezes devido à falta de assistência técnica e recursos para a execução correta), a reduzida porção de área permeável e especial atenção às obras de saneamento. Estabelecer uma postura educativa e participativa diante da inadequação, aumenta a chance de soluções melhores e mais duradouras.
21. Promover estratégias de incremento da coleta de lixo e sua correta destinação. É vital um cronograma de coleta intensiva, instalação de lixeiras e contêiners comuns e disponibilização de caçambas para entulho em pontos estratégicos na comunidade. A inexistência de pontos de descarte regulares de lixo que possam ser utilizados na rotina dos moradores revela ineficácia no saneamento básico e coloca em crise a manutenção dos espaços comuns, gerando insalubridade e desvalorização dos espaços urbanos, com características de abandono e riscos à saúde. É imprescindível combinar estas ações à educação geral da população para o consumo consciente e a reciclagem.
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
22. Consolidar e Ampliar o entendimento das Infraestrutura Verde e Infraestrutura Azul no cerne das discussões de adaptação das cidades aos eventos climáticos extremos, com o entendimento de que a área de instalação de tais infraestruturas se funde muitas vezes às zonas periféricas urbanas, criando potencialidades e desafios.
23. Criar uma política municipal de hortas urbanas nas periferias e territórios populares garantindo a manutenção e a participação popular, trazendo o protagonismo das iniciativas de Associações e OSCs com parceria direta e ativa junto às prefeituras, cabendo também avaliar iniciativas já em curso para que as mesmas possam ser fortalecidas e valorizadas.
ECONOMIA SOLIDÁRIA
24. Estimular, através de editais específicos, palestras e oficinas, que os projetos voltados à economia criativa e inovação sejam direcionados a soluções de problemas complexos urbanos e à participação popular, especialmente aos encontrados em periferias.
LEGISLAÇÃO
25. Elaborar e incluir na revisão do Plano Diretor Urbano (PDU) ou Plano Diretor Municipal (PDM) índices de ocupação específicos nos bairros e territórios que configurem Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), considerando suas especificidades na elaboração de índices e fazendo valer o caráter instrutivo da legislação, isso é, sua aplicação na construção de cidades mais adequadas às necessidades humanas, não mero instrumentos burocráticos. Medida que deve ser somada à democratização dos serviços de assistência técnica nos moldes da Lei n° 11.888.
26. Registrar os índices da diretriz 25 e consolidar o PLANO DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO (PDLI) para cada ZEIS, com protagonismo da população local na leitura das potencialidades e vulnerabilidades, assim como na elaboração de metas e projetos para o desenvolvimento social e econômico dos territórios, invertendo a lógica existente de investimento pontual e pulverizado, de cima para baixo, e com critérios pouco claros.
27. Criação/fortalecimento dos Fundos Municipais de Habitação de Interesse Social destinados ao financiamento de políticas habitacionais. Com finalidade de garantir quantias estabelecidas e obrigatórias do orçamento municipal para habitação – tal montante pode ser ampliado com recursos provenientes da aplicação dos instrumentos de fiscalização da função social da propriedade, além de recursos oriundos de contrapartidas e TACs de empreendimentos geradores de impacto. Tais fundos devem ter ferramentas de participação e podem ser permeabilizados localmente, sobretudo se vinculados a bancos comunitários, criando estratégias para prezar principalmente pelos interesses populares.
28. O direcionamento de recursos para políticas de habitação, requalificação urbana, gestão de resíduos e redução e mitigação de riscos ambientais deverão ser garantidos através do orçamento municipal, estadual, federal e parcerias com instituições e OSCs.
29. Promover formas legais de garantir a composição de corpo técnico diverso, sobretudo no quesito etnicoracial e de gênero, especialmente para os cargos de secretária(o), chefe de gabinete, gestão, gestão de projetos e planejamento.
30. Criação de um estoque de terras e imóveis para promoção de políticas habitacionais, oriundo do fundo municipal de habitação de interesse social, assim como resultantes da desapropriação como resultado da aplicação dos instrumentos de fiscalização da função social da propriedade.
31. Estabelecer uma cota mínima dos empreendimentos imobiliários geradores de impacto destinada à Habitação de Interesse Social (HIS). Loteamentos e edifícios que se enquadrarem nesse perfil deverão destinar lotes, gleba ou unidades residenciais voltadas para a HIS no próprio empreendimento ou em área aprovada pelo Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social.
Sobre a Onze8
A Associação Onze8 é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que surge a partir da colaboração com a Associação Ateliê de Ideias no acompanhamento de Crédito Habitacional fornecido por Bancos Comunitários da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) e que se formaliza de maneira independente pela vontade e necessidade de efetivação da Lei Federal nº 11.888/2008, a Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS).
Hoje a associação possui um histórico de projetos concluídos focados em melhorias habitacionais e ambientais junto ao Território do Bem (Vitória – ES) e em outros territórios periféricos da RMGV, projetos nos quais as lideranças comunitárias e a própria população são membros ativos e integrantes por meio de processos participativos de concepção e execução. Em paralelo a Onze8 busca suporte e cooperação técnica junto à comunidade acadêmica do estado do Espírito Santo, assim como as diferentes instâncias do poder público.
A OSC mantém profissionais ligados ao tema da Habitação de Interesse Social (HIS) e também inclui aqueles que queiram atuar com assessoria e assistência técnica em habitação de interesse social (ATHIS) e demais atividades que se relacionem com o desenvolvimento comunitário equitativo de territórios vulnerabilizadas nos âmbitos sociais, ambientais e econômicos.
Referências:
https://avirgula.com/desafios-estruturantes-nas-cidades-para-prefeitos-e-vereadores-eleitos/
https://www.capacidades.gov.br/wp-content/uploads/2024/04/CartilhaConCidadesv7_WEBspreads.pdf
https://www.gov.br/cidades/pt-br/novo-pac-selecoes/periferia-viva-urbanizacao-de-favelas
https://www.gov.br/cidades/pt-br/novo-pac-selecoes/regularizacao-fundiaria) ; https://www.gov.br/cidades/pt-br/novo-pac-selecoes/prevencao-a-desastres-contencao-de-encostas
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