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Movimentos culturais quebram paradigmas no Território do Bem

*Texto: Vitor Matias; entrevistas: Guilherme Marques e Marina D’Ângelo; fotos: Bruna de Holanda

Favela é classificada como uma área urbana caracterizada por moradias precárias e infraestrutura de urbanização geralmente deficitária. Essa é a definição do dicionário Oxford, mas o espaço é muito mais do que se pode ler nas páginas de uma compilação de palavras. Esse conceito, aliás, destoa da realidade do Território do Bem, composto pelos bairros da Penha, Bonfim, São Benedito, Consolação, Gurigica, Itararé e as comunidades do Jaburu, Engenharia e Floresta. O local é um berço cultural para muitos moradores da região. Pessoas que constantemente lutam para iluminar o lado positivo dos nove bairros de Vitória que compõem a localidade.

Essa mistura de pessoas com os mais variados gostos e histórias torna o local um espaço singular para diversas formas de expressões artísticas. Samba, Rap e o Funk são uns dos principais ritmos musicais produzidos no Território, mas que ainda sofrem com a barreira do preconceito. Para romper com esse estigma, artistas desses movimentos culturais lutam para expressar sua arte e estão cada vez mais ocupando novos espaços.

Grupo Leq Samba – Da esquerda para a direita: Rowberguen dos Santos, Pedro Henrique, Henrique Meireles e Pablo Correia. Foto: Bruna de Holanda

Formado há 13 anos, o grupo LeqSamba está levando o nome do Território do Bem por todo o Estado. Juntos, Henrique, Pablo, Pedro e Rowberguen acumulam milhares de seguidores nas redes sociais e atraem multidões que aproveitam um espetáculo de músicas brasileiras. Por mais que agora estejam vivendo uma fase positiva, eles relembram que o começo não foi fácil e faziam apenas uma apresentação ao ano, sempre nas festas juninas. Mas o incentivo dos moradores da comunidade deu forças para os artistas continuarem. Hoje, eles conseguem o sustento exclusivamente através da música.

O quarteto destaca que hoje a música faz parte de quase 100% da vida deles. “Quando estamos no palco é momento da nossa diversão. O trabalho mesmo é em casa fechando agenda dando atenção aos contratantes e planejando os espetáculos”, comenta Henrique.

Entre os momentos que mais marcaram a longa carreira do grupo está a gravação do DVD, que foi filmado na quadra do São Benedito. O evento solidário arrecadou alimentos na entrada, que foram doados para a comunidade.

“A arte direciona a gente para um bom caminho. Nós que viemos da comunidade às vezes podemos seguir por outro lado, mas a cultura nos centraliza no que é justo. Ficamos felizes em ver que muitas crianças e jovens da comunidade nos acompanham e se interessam em tocar e aprender também”, comenta Henrique, em nome do LeqSamba.

Mudança de perspectiva

Da esquerda para a direita: Pedro MC e Sávio Varejão do Coletivo Território Cultural. Foto: Bruna de Holanda

Sávio Varejão é morador do bairro Bonfim. Ele atua como co-fundador e co-gestor do Fórum de Juventudes do Território do Bem e coordenador do Coletivo Território Cultural. Ele explica que esses movimentos culturais dentro do Território mudam a perspectiva de vida dos moradores em relação ao local onde vivem. “O Coletivo também tem objetivo de levar um caminho alternativo para a rapaziada que mora nos morros. Infelizmente, o pessoal já cresce com a perspectiva de que a vida só é aquela que é mostrada nas mídias, como o tráfico, a bandidagem e a violência, mas não! A cultura salva vidas e leva as pessoas para os caminhos bons”, cita Sávio.

O Coletivo Território Cultura surgiu em meados de abril de 2023, com o intuito de levar batalhas itinerantes para cada bairro do Território do Bem, incentivando a cultura entre as comunidades locais. Sávio comenta que a questão financeira é a maior dificuldade de manter o coletivo. Ele diz que o apoio da comunidade é o que mais fortalece com investimentos das batalhas por meio de parcerias com empreendedores locais e comerciantes locais.

Pedro Henrique, mais conhecido como Pedro MC, tem 20 anos e mora no bairro Da Penha. É MC de batalha, músico, poeta e faz parte do Coletivo Território Cultural. Ele iniciou a carreira de MC em meados de 2018. Participou da batalha regional de Vitória, junto dos melhores MCs de cada região para disputar o estadual. A influência de seguir a carreira musical vem do pai, que sempre escutou o grupo brasileiro de rap “Racionais MCs”. Por isso, Pedro passou a se aprofundar mais e começou a procurar onde existiam rodas de rima. Ele se inscreveu em uma batalha e até hoje está neste ramo.

“Meu pai escutava muito Racionais MC’s. Por isso, eu passei a gostar mais de batalhas e comecei a procurar onde existiam rodas de rima. Me inscrevi em uma batalha e até hoje estou no ramo. Já fui campeão da Batalha do Estacionamento que acontece no Parque Municipal do Horto de Maruípe, e outras”, cita Pedro.

A dança cura

Dançarino Wesley Moura. Foto: Bruna de Holanda

O professor de dança Wesley Moura, nasceu e foi criado na comunidade do Jaburu. O dançarino profissional de família e alma baiana afirma que, por influência dos pais, a dança sempre esteve presente em sua vida. Apesar de gostar de todos os ritmos, foi na Dança à Dois que Wesley descobriu a paixão pela arte e encontrou uma oportunidade de trabalho. O professor, em parceria com a artista Daiane Pessoa, teve a oportunidade de levar a cultura capixaba para fora das fronteiras do Espírito Santo. Eles apresentaram no Rio de Janeiro e em São Paulo a coreografia “Preto é f*da”, um espetáculo de samba-funk.

Para Wesley, os movimentos culturais são necessários para o Território do Bem. Ele acredita que a cultura e a arte conectam as pessoas e trazem uma autodescoberta. Ele afirma sentir falta de espaços dedicados à dança e à cultura nas periferias. “Eu não me lembro qual foi o dia que escolhi trabalhar com dança. Eu acredito que a dança me escolheu. Eu não consigo imaginar viver sem arte. Ela me salvou e me cura todos os dias. Eu me vejo fazendo mais nada além disso”, pontua o professor.

Planos para o futuro

O grupo LeqSamba espera continuar vivendo da própria arte. Acima de tudo, eles querem viver bem. O quarteto almeja começar a carreira nacional. Se depender dos milhares de fãs capixabas, o sucesso já é garantido. Por agora, os meninos estão colhendo os frutos do sucesso da primeira música autoral. Lançada no final de outubro, a canção “volta” está disponível nas plataformas digitais.

O Coletivo Território Cultural está investindo em uma oficina de letra e rima. Eles visam fortalecer a cultura MC na comunidade e oferecer novos espaços destinados às mulheres, para que o número de interessadas na cultura Hip-Hop aumente. Também propuseram ao governo do Estado o lançamento de editais destinados exclusivamente aos coletivos independentes. Ansiosos, eles aguardam a aprovação do documento, que será enviado para Brasília em dezembro. Se aprovado, os coletivos culturais terão um grande investimento para que novas obras possam ser planejadas.

Confira a rima do Pedro MC e do Sávio: Rima

Há oito meses, o professor Wesley Moura abriu um espaço de dança dentro do Espaço Fênix, no Centro de Vitória. Além disso, ele e a colega Daiane Pessoa dão aulas no projeto Quebrada, que visa democratizar o acesso à arte levando o samba de gafieira para as comunidades. Somando tudo isso, Wesley está cada passo mais perto de realizar o maior propósito da vida: apresentar a arte da dança para o maior número de pessoas que puder.

Assim, os guerreiros culturais do Território do Bem travam uma batalha diária contra o preconceito e a falta de oportunidade. Eles são um conjunto de espelhos que refletem a imagem de muitos jovens que sonham em viver da cultura. Quem sabe em alguma das nove comunidades que compõem o local não há um futuro ator, cantor ou um incrível grupo de danças que só precisam acreditar que também há espaço para eles. Isso porque o Território do Bem é habitado por vários Henriques, Savios, Pablos e Wesleys que lutam para mostrar que lá não se resume a violência, mas é um farol cultural pronto para ser explorado.

*Bruna de Holanda, Guilherme Marques, Marina D’Ângelo e Vitor Matias são alunos do curso de Jornalismo da Faesa, sob supervisão da professora de Projeto Integrador V (2023/2), Lara Rosado.

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