*Texto: Kathleen Vieira, Larissia Nobre e Sofia Galois
O protagonismo feminino é uma temática abordada de diversas maneiras, por diferentes grupos de pessoas. Donas de casa, empresárias, feirantes ou manicures, independentemente da função, a força feminina se faz presente na superação de obstáculos e no desenvolvimento da sociedade.
No Brasil, segundo o Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 51,5% da população. Algo que equivale a 6 milhões a mais do que os homens.
Diante destes números, há a falsa impressão de que o gênero feminino teria mais oportunidades, visto que são a maioria na população brasileira. No entanto, o que se vê é o contrário, uma vez que as mulheres constantemente precisam lidar com as desigualdades, preconceitos e alguns casos até mesmo de violência nas diferentes esferas.
Em regiões periféricas essa realidade também se repete, e as mulheres são a maioria. Em Vitória, no Território do Bem, região que engloba as comunidades de Itararé, Jaburu, Bairro da Penha, Bonfim, Engenharia, Consolação, Floresta, Gurigica e São Benedito, por exemplo, a Pesquisa “Saberes, Fazeres e Perfil dos Moradores do Território do Bem”, do ano de 2019, feita com 400 famílias da região, destacou que 82,25% da população é do gênero feminino.
Apesar de todos os obstáculos e dificuldades que as mulheres passam simplesmente por serem mulheres, ainda há muitas que fazem a diferença em suas vidas e na vida daqueles que estão à sua volta e conseguem realizar uma grande transformação no meio que vivem.
”A importância de a mulher ser protagonista, seja no Território, seja em qualquer outra comunidade, fala do lugar que não está conquistado. A mulher precisou, por meio de lutas, garantir seu lugar. Dentro do Território não é diferente, o poder transformador da mulher é enorme, geralmente isso nasce de enxergar as necessidades do próximo e o desejo de fazer pelo outro o que muitas vezes não foi feito por nós”, comentou a psicóloga do Centro de Referência das Juventudes (CRJ) Território do Bem, Alice Pontes Costa.
Conheça a seguir histórias de mulheres inspiradoras.
Explorando novos propósitos e rotas de superação
Nascida e criada em São Benedito, em Vitória, Gabrielly Almeida Ferreira é exemplo de superação para diversas mulheres e meninas que buscam alcançar o protagonismo das próprias histórias. Com apenas 26 anos, a jovem, mais conhecida como Gaby, tem se dedicado ao reconhecimento do Território do Bem e lutado pelos direitos dos moradores.
“A minha infância foi brincar nos becos, nas vielas. Não tinha isso de medo de sair, porque, para nós, é o cotidiano. Aqui não temos medo, às vezes ficamos até espantados pelo que passa na televisão. Se a pessoa vier pelo menos um dia na comunidade, ela vai sentir que é diferente, é bacana, e que é gostoso demais estar aqui”, observa.
O sentimento de preconceito, segundo Gaby, só foi ser conhecido por ela ao sair da comunidade, quando precisou buscar emprego na Capital.
“Foi aí que conheci de fato o preconceito, porque aqui na nossa comunidade não temos isso. Todo mundo contribui, todos se conhecem, mas quando a gente sai, vemos o preconceito. Quando somos abordados pela polícia, quando colocamos o endereço em uma vaga de emprego e já nos olham torto. Quando as pessoas vêm aqui e conhecem nossa cultura, culinária, artesanato, é muito legal porque sempre dizem ser muito diferente do que viam no jornal, na internet”, diz.
A ideia de se voltar para o trabalho com o Território surgiu há cerca de três anos, quando Gabrielly teve uma piora no quadro de saúde, devido a um acidente que sofreu na infância. Desde os quatro anos, a jovem realiza um tratamento para queimaduras. O agravamento da condição física associado a um cansaço mental levou Gaby a redirecionar o foco de sua carreira.
“Foi quando eu voltei mais para dentro da minha comunidade. Então fiz um curso de qualificação em confeitaria, aqui na comunidade mesmo, no Banco Bem, e decidi que era isso. Eu queria trabalhar com produtos artesanais, e comecei a fazer pães, doces, e levei uma ideia para a Varal, de onde surgiu o projeto Bendita Feira”, explica.
Pensando em contribuir ainda mais com a comunidade, hoje Gabrielly também faz parte da equipe de turismo comunitário da Rota do São Benedito.
“Eu queria que as pessoas enxergassem a minha comunidade da forma com a qual eu a enxergo, bonita como ela é, cheia de riquezas, cultura, de histórias. Hoje eu faço agendamentos, controlo as mídias sociais, sempre tento conversar com as pessoas onde quer que eu vá, para falar da rota, das belezas, do turismo”, conta.
Para a jovem empreendedora, o que a motiva é pode contribuir com um bem maior, sabendo que de alguma forma terá a história contada no futuro.
“O que me motiva é saber que faço parte de um bem maior. É ver cada sorriso de moradores, quando passamos com turistas, quando entrego um pão para um cliente meu. Tenho muito orgulho de falar que sou da comunidade de São Benedito”, ressalta.
A paixão pelo samba
Mãe, empreendedora, dona de casa e apaixonada pelo samba, Jordana Catarina, de 33 anos, é um exemplo inspirador de resiliência e superação.
Catarina nasceu e cresceu no Território do Bem, no bairro da Gurigica, local esse em que superou desafios e conheceu uma de suas maiores paixões, o samba. Casada há 15 anos com Alex Cacique, ela leva uma vida simples e de muita determinação. Atualmente, não reside mais no Território do Bem, porém, suas raízes jamais deixarão de existir.
Jordana conta que a partir do momento que conheceu o samba, não queria mais saber de outra coisa, pois por meio dele, passou a enxergar que poderia superar qualquer obstáculo.
”Quando a gente chega ali na nossa escola de samba, nós podemos ser quem nós somos de verdade, ser felizes, mostrar nossa arte e cultura, de forma livre. Ainda jovem, com 19 anos, fui rainha de bateria. Graças a Deus, a escola de samba me deu essa perspectiva de que sim, eu posso fazer o que eu quiser, onde eu quiser e que ninguém vai me limitar a chegar em lugar nenhum”, declara.
Na busca por um futuro e condições melhores para a família, na adolescência de Jordana, sua mãe a matriculou em uma escola particular. Nessa época ela conta que foi a primeira vez que sofreu algum tipo de preconceito, por ser moradora do Território do Bem.
”Ali eu sofri muito, até eu me entender enquanto pessoa de periferia. É que uma pessoa de periferia, mesmo sendo branca, também é limitada a dar passos maiores”, menciona.
Jordana também relata que uma de suas maiores inspirações é a sua mãe, que não deixou a peteca cair em nenhum momento, mesmo vivendo de forma árdua. Ela expressa uma enorme gratidão e afirma que tudo que é hoje é graças a sua genitora.
”O que não me deixa desistir jamais é a minha mãe. Ela me motiva o tempo inteiro. E tenho os meus filhos, que hoje eu vivo por eles. Mas ela é meu espelho, minha referência,” afirma.
Jordana Catarina faz parte de um grupo de mulheres que venceu na vida, essa trajetória de sucesso não apenas quebra estereótipos, mas também ressalta a diversidade de talento e a riqueza de experiências que existem em todas as camadas da sociedade.
Carreira de escritora e CEO do Instituto Basta
Ao conversar com Thais Rocha, de 28 anos, é impossível não observar o amor e paixão ao falar sobre a sua trajetória como missionária, escritora e fundadora do Instituto Basta, que é uma organização com um trabalho voltado contra a violência sexual e o tráfico de pessoas. A instituição tem atuação em todo o Brasil, uma casa de acolhimento no Camboja e também trabalha no resgate de vítimas na Alemanha.
Thais nasceu e cresceu no Território do Bem, mais especificamente no bairro São Benedito, em Vitória, e ali morou com seus pais até os 21 anos de idade quando começou a fazer viagens missionárias, com intuito de auxiliar pessoas de diferentes nações. E foi desse auxílio e trabalho em campo que ela obteve uma experiência e viu a necessidade de escrever um livro sobre a temática da violência sexual e do tráfico de pessoas.
Apesar da vivência no campo missionário, Thais relata que precisou estudar a fundo sobre o assunto para poder escrever o livro “Basta!”. “O processo de escrita do livro foi muito incrível, ao mesmo tempo muito difícil. Foi o meu primeiro livro, então tinha coisas que eu precisava aprender e também foi um tema muito complicado, eu precisei estudar. Comecei a ter muito mais conhecimento em determinadas áreas que até então eu conhecia de forma rasa”, conta.
O livro também foi a “mola propulsora” para a criação do Instituto Basta. A jovem explica que a instituição foi criada a partir de uma demanda que ela enxergou após o lançamento da sua obra. “Eu nunca sonhei em criar uma organização social, mas quando eu lancei o meu livro e fui tendo mais acesso às vítimas e a pessoas que possuíam o mesmo chamado e vocação que eu tenho, a necessidade foi aparecendo e criamos realmente o Instituto Basta, tanto que ele carrega o nome do livro. Então foi uma necessidade de coisas que precisavam ser feitas”, esclarece.
O Instituto Basta trabalha com três estratégias nas suas diferentes atuações: mudança de mentalidade, com o objetivo de fazer com que as pessoas conheçam sobre o assunto e que entendam que é algo ruim; mudança das leis, como reforma das leis para que os culpados realmente venham a ser punidos; e o acolhimento humanitário, com o suporte jurídico e psicológico.
Atualmente, Thais mora na Alemanha e coordena as ações do Instituto Basta no Brasil e pelo mundo. Além disso, participa de palestras e eventos em escolas, igrejas e conferências com o intuito de conscientizar a todos a respeito da violência sexual e tráfico de pessoas.
*Kathleen Vieira, Larissia Nobre e Sofia Galois são alunas do curso de Jornalismo da Faesa, sob supervisão da professora de Projeto Integrador V (2023/2), Lara Rosado
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